No dia 26 de julho de 1990, eu ouvi o plantão da Rede Globo interromper a programação. Aquela vinheta fria, solene, que congela o tempo.
Meu coração de menina ainda não sabia nomear o que viria, mas já sentia que o mundo ia mudar. E mudou. Foi pelo plantão da Globo que soube da morte do meu pai.
Glênio Sá, guerrilheiro do Araguaia, militante comunista, sobrevivente da ditadura, da tortura e de três prisões.
Não sobreviveu, no entanto, à democracia inconclusa que herdamos do regime militar. Foi morto por um aparelho de repressão que nunca deixou de funcionar.
Hoje, 35 anos e alguns dias depois, ouço de novo o plantão da Globo. Mas agora para anunciar algo que também faz história: a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, decretada pelo ministro Alexandre de Moraes.
São dois plantões. Duas reações distintas. Duas marcas no corpo de um mesmo país.
Naquele julho de 1990, me avisavam que meu pai não voltaria mais. Hoje, em agosto de 2025, anunciam que um defensor da ditadura, dos torturadores, do arbítrio, da violência de Estado – como a que matou meu pai – está sendo responsabilizado.
Há um peso e uma justiça simbólica que não podem ser ignorados.
Bolsonaro não apenas exaltou o DOI-CODI, o golpe de 64, o torturador Brilhante Ustra – a quem homenageou em pleno parlamento. Ele reatualizou a lógica autoritária nas entranhas da República. Afrontou a Constituição, atacou o STF, violou medidas judiciais, usou sua influência para conspirar contra as eleições, e agora, escancara, com seus filhos, uma aliança que ignora a soberania brasileira, jogando com as cartas de Trump como se o Brasil fosse um brinquedo estrangeiro.
De que lado da história está quem ainda o defende? Que tipo de “patriotismo” é esse que flerta com o golpe e sabota a Justiça brasileira?
Não comemoro prisões. Mas reconheço que há momentos em que o Estado precisa demonstrar que o Direito vale para todos – inclusive para aqueles que se julgam acima dele.
Meu pai morreu pela democracia. Bolsonaro se moveu para destruí-la.
Ouvir os dois plantões me fez pensar sobre o tempo. O tempo das mães e filhas que nunca esqueceram seus mortos. O tempo dos algozes que seguem impunes. O tempo da Justiça que tarda – mas, às vezes, começa a chegar.
Quero crer que o plantão de hoje é parte de um processo. Que não seja só um capítulo espetaculoso, mas um sinal de que o Brasil está – enfim – olhando para seu passado e dizendo: basta.
Porque a democracia precisa mais do que votos. Precisa de memória. De verdade. E de justiça.
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