Antes de ler o texto você certamente olhou a foto que o ilustra, não é mesmo? Para muita gente, na foto à esquerda há um bebezinho que merece atenção, carinho e cuidados. Mas não é. Trata-se de um brinquedo, feito de silicone. E na direita, o cardeal estadunidense Robert Francis Prevost, eleito papa semana passada, que muita gente acredita que seja mais um sumo pontífice ‘comunista’. Mas não é. Não existem papas, digamos, comunistas.
Tanto o papado como a febre desses bebês de silicone ganharam as manchetes e noticiários nos últimos dias e chamaram minha atenção para o que assuntos tão díspares guardam em comum: a visão distorcida que um número considerável de pessoas têm da realidade, como se vivesse em um mundo paralelo. Talvez seja o que chamam de pós-verdade, ou quem sabe um efeito colateral do excesso de redes sociais e grupos de zap em nossa percepção e mesmo ações práticas.
Eu que sou tão aferrado à práxis, fiquei chocado quando li sobre o fenômeno que chamam de ‘bebês reborn (renascidos, em inglês): na verdade não são bebês ou mesmo seres vivos, mas sim bonecos de silicone os materiais similares, hiper realistas, feitos pra se parecer com um recém-nascido de verdade, com detalhes, como pele texturizada, cabelos e olhos realistas, e até mesmo veias e rugas.
Se é um brinquedo, por que a bronca com isso? Porque não são feitos para crianças, e sim para adultos, e não são feitos para ser encarados como brinquedos lúdicos (como as crianças fazem) e sim como uma realidade. Em uma matéria do Fantástico e lendo reportagens sobre o tema me assustei com o número de adultos, principalmente mulheres, que compram (preços variam entre R4 300 e R$ 850) esses ‘bebês” para cuidar como se de um recém-nascido de verdade, com horário para dar mamadeira, ninar etc.
A princípio a intenção parecia boa (embora estranha): dar suporte psicológico a mães que tinham perdido filhos ainda bebês. Mas, parece que a coisa desandou. Hoje pode-se se comprar bebes reborn pela Amazon e outros sites de venda com especificações diversas (cor de pele, com cabelo ou sem, tem os que choram etc). Lembra (e a comparação nem é minha, mas de psicólogos) a prática por homens adultos de se relacionar com bonecas infláveis, algo que já foi muito ridicularizado, inclusive, como prova cabel de timidez e falta de trato com o sexo oposto.
Tanto no caso dos bebês como no das bonecas infláveis, se trata de uma distorção da realidade. De transformar, ou pior, idealizar, um objeto inanimado, algo manufaturado como um ser humano, como algo vivo. Uma negação da realidade (que se trata de um boneco e não se uma criança) para caber no seu desejo pessoal.
Que é um processo parecido com quem acredita piamente que o novo papa, Leão 14, é comunista. Assim como o finado Jorge Bergoglio, o Papa Francisco, esse ainda mais comunista ainda. Por que essa classificação? Porque para muita gente se a pessoa predica valores como justiça social, distribuição de bens e empatia para o outro, você é automaticamente comunista. Não importa nem mesmo que os comportamentos acima listados sejam exatamente os pregados por Jesus Cristo, na qual foi fundada a Igreja Católica (e o cristianismo como um todo). O que importa é que na visão desse pessoal, se quer dividir comida e dinheiro (como Jesus fez, segundo a Bíblia) é automaticamente comunista. E o comunismo deve ser combatido, na cartilha desse pessoal.
Bebês de silicone tratados como seres vivos, papas que seguem os ensinamentos de Jesus alcunhados como doutrinadores do comunismo, e ainda Terra Plana, vacina que implanta um chip em nosso corpo, vírus criado em laboratório, ditadura gay etc e tal. Uma plêiade de idéias, conceitos, informações que não tem comprovação real, nenhuma base palpável, enfim, que não correspondem aos fatos, como cantou Cazuza. Milhões de pessoas vivem hoje em um mundo paralelo, criado, em grande parte, por estratégias da extrema-direita por estratégia política.
Nesse mundo paralelo, cabe simular parto de bebê reborn (assisti um vídeo disso, é algo bizarro), recriar Jesus à imagem e semelhança de líderes violentos (fazendo arminha, por exemplo), acreditar que Lady Gaga em Copacabana estava abrindo um portal para o inferno ou que a esquerda, quando no poder, vai invadir os apartamentos da classe média para repartir com os pobres. Histórias da carochinha tornadas ‘realidade’ com fins políticos e de poder ou sinal dos tempos em que a verdade perde terreno para a simulação. Seja colocando para dormir um bebê de plástico, que jamais está acordado, seja criticando um papa por seguir as palavras de Jesus.
Por Cefas Carvalho