Em publicação em uma rede social nesta segunda-feira (28), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) se comparou a um leão acossado por hienas que o atacam. Uma delas representa o STF (Supremo Tribunal Federal).
O vídeo foi retirado pouco tempo depois de sua conta no Twitter, após repercussão negativa, mas o impacto no Poder Judiciário permaneceu.
Após questionamento da Folha, o ministro Celso de Mello, decano da corte, disse que a postagem evidencia que “o atrevimento presidencial parece não encontrar limites”.
A postagem causou mal-estar também entre outros ministros do Supremo. Integrantes da corte disseram à Folha que enviaram recados ao Palácio do Planalto de que o filme era despropositado.
Nos bastidores, alguns ministros classificaram a publicação como infantil e, com ironia, disseram que o governo precisa chegar à vida adulta.
Houve reações negativas em série. A OAB não se manifestou, mas um conselheiro federal classificou o vídeo como desapreço pela democracia.
Na legenda, o vídeo foi classificado como um tiro no pé do clã Bolsonaro. A avaliação é a de que o governo tem como única marca a discórdia.
No Twitter, a deputada
Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-líder do governo no Congresso, reagiu ao vídeo afirmando que “Deus limitou só a inteligência”. “A burrice é ilimitada.”
“Quando um político (ou uma família de políticos) posta um vídeo comparando o PSL —maior partido da base e que mais ajudou o governo— a uma hiena, significa dizer que ele está dispensando os votos e ajuda do partido?”, escreveu ela.
Em nota à Folha, Celso de Mello afirmou: “É imperioso que o senhor presidente da República —que não é um ‘monarca presidencial’, como se o nosso país absurdamente fosse uma selva na qual o leão imperasse com poderes absolutos e ilimitados— saiba que, em uma sociedade civilizada e de perfil democrático, jamais haverá cidadãos livres sem um Poder Judiciário independente, como o é a magistratura do Brasil”.
Bolsonaro postou o vídeo em meio às
vitórias da esquerda e
manifestações de rua em países da América Latina. “Chile, Argentina, Bolívia, Peru, Equador… Mais que a vida, a nossa liberdade. Brasil acima de tudo! Deus acima de todos!”, escreveu o presidente.
Além do STF, entre as hienas exibidas no vídeo compartilhado pelo presidente aparecem a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), o PSL (seu partido, com o qual trava uma disputa há dias), legendas de esquerda (como PT e PSOL) e veículos de imprensa, incluindo a Folha.
O vídeo termina com a chegada de outro leão, “conservador patriota”, e com um apelo: “Vamos apoiar o nosso presidente até o fim e não atacá-lo”. “Já tem a oposição pra fazer isso!”, dizia o letreiro.
A publicação em rede social foi feita no momento em que Bolsonaro entrava numa limusine em Riad, capital da Arábia Saudita, a caminho de um jantar com o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman.
O tuíte do presidente veio depois de postagens com teor semelhante do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), seu filho, que já admitiu em outra ocasião publicar nas redes do presidente. Em uma delas, Carlos afirma que Mauricio Macri, derrotado nas eleições na Argentina, foi ingênuo e “ficou em cima do muro”.
Na entrevista coletiva que concedeu assim que chegou a Riad, Bolsonaro foi mais comedido. Falou que a “bola está com eles”, referindo-se aos argentinos, e que para o Brasil “continua tudo normal”.
O Palácio do Planalto foi questionado sobre a postagem do vídeo na rede social de Bolsonaro. A Folha perguntou por que o vídeo foi apagado e se o material foi publicado com sua autorização. O Planalto respondeu que não comentaria o caso.
No Supremo e no Congresso, a avaliação é a de que, mesmo que tenha sido Carlos o autor da postagem, o presidente precisa pôr um freio no filho.
Na montagem publicada, além da Folha, são identificados como hienas veículos como a TV Globo, a revista Veja, o jornal O Estado de S. Paulo e a rádio Jovem Pan.
Mais cedo, ao
comentar áudios de Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho Flávio, Bolsonaro afirmou que órgãos de imprensa “jogam pesado” porque podem ter problemas na renovação de concessões.
O presidente responsabilizou a mídia por notícias que, na avaliação dele, tentam desestabilizá-lo.
Emissoras de rádio e TV precisam renovar contratos para operar.
A atual permissão da Globo vence em abril de 2023. A concessão é renovada ou cancelada pelo presidente, e o Congresso pode referendar ou derrubar na sequência o ato presidencial em votação nominal de 2/5 das Casas (artigo 223 da Constituição).
Segundo lei sancionada no governo Michel Temer (MDB), o presidente pode decidir sobre a concessão até um ano antes de ela vencer —ou seja, em abril de 2022, último ano do mandato de Bolsonaro.
FOLHAPRESS