Desde a última eleição municipal, 108 cidades tiveram que voltar às urnas fora de época porque o prefeito eleito em 2012 foi afastado do cargo. Em dois anos e meio, isso significou em média um chefe de Executivo municipal cassado a cada nove dias no país. O ritmo pode impressionar, mas o problema é ainda maior.
Esse número refere-se somente aos casos de perda de mandato decretados pela Justiça Eleitoral por irregularidades cometidas na campanha e que exigiram que um novo pleito fosse realizado. Muitos outros ocorreram sem que tivesse sido preciso convocar outra eleição. Outros prefeitos ainda perderam o mandato por infrações que extrapolam questões eleitorais, como corrupção, má gestão e até crimes hediondos. Para esses casos, entretanto, não existem estatísticas oficiais.
O GLOBO reuniu casos recentes de cassações de prefeitos que retratam essas três situações. O que une essas histórias é a instabilidade política que se instalou após o afastamento da maior autoridade da cidade. Municípios como Cajamar (SP), Coari (AM) e Restinga (SP) convivem há mais de um ano com um troca-troca do comando municipal.
No menor deles, Restinga, com cerca de 7 mil habitantes no interior paulista, o então prefeito Paulo Pitt (DEM) e a vice Luciene Fernandes (PRB) sofreram um impeachment com oito meses de governo. A comissão processante da Câmara de Vereadores acusou ambos de irregularidades na prefeitura, entre elas a contratação de funcionários fantasmas e o desvio de recursos do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Desde então, uma crise política toma conta do município. Foram sete trocas de comando na prefeitura até hoje. Além das idas e vindas do prefeito e da vice, amparados por liminares judiciais, a população viu sentarem na cadeira de prefeito três presidentes do legislativo. Há cinco meses, a vice conseguiu voltar. Mas o clima político segue conflagrado. Há 15 dias, vereadores saíram no tapa em uma votação sobre as contas de um ex-prefeito. Foi preciso intervenção policial.
Enquanto isso, a população sofre com a paralisia administrativa. A construção de galerias pluviais num loteamento novo na cidade retrata bem a situação. Desde 2013, a obra começou e parou três vezes por causa do vaivém de prefeitos. Os moradores esperam a construção para que as ruas sejam asfaltadas. Até lá, lidam como podem com a poeira nos tempos de seca e caminhões de lixo e ônibus escolares atolados quando chove.
— Cada um que entra promete fazer, começa a obra e para. Agora a prefeita está dizendo que o dinheiro sumiu — afirmou o autônomo Julimar da Silva Rodrigues, uma das lideranças do bairro.
A obra foi orçada em 2013 em R$ 180 mil. O GLOBO procurou a prefeita várias vezes, mas não conseguiu falar com ela.
ESPERA POR NOVA ELEIÇÃO
Em Cajamar, na região metropolitana de São Paulo, a sexta troca de prefeito foi registrada este mês. Tudo começou em janeiro de 2014 com a cassação por abuso de poder econômico na eleição de 2012 do então prefeito Daniel Fonseca (PSDB). Pelo mesmo motivo, o Tribunal Regional Eleitoral cassou a segunda colocada, Ana Paula Ribas (PT). Desde então, a Justiça marcou duas vezes nova eleição na cidade, mas elas acabaram suspensas por causa da briga judicial envolvendo os dois políticos. A lei manda que um pleito fora de época seja feito sempre que o cassado tiver obtido mais de 50% dos votos válidos.
Enquanto a situação não se resolve, o mais novo prefeito-tampão é Israel Brandão (PSD), o quarto presidente da Câmara a assumir o posto. Desde que a crise política se instalou, os moradores tiveram uma mudança de prefeito, em média, a cada três meses.
As consequências disso são visíveis em alguns bairros e chegaram às redes sociais, onde moradores expõem obras paradas de escolas, creches e postos de saúde. O GLOBO procurou a gestão para falar sobre o impacto da crise, mas o prefeito disse que estava há muito pouco tempo no cargo.
PEDOFILIA, INCÊNDIO E CAOS
À beira do Rio Solimões, no Amazonas, a rica Coari, que vive da receita de royalties pela produção de gás e petróleo na região, é hoje um dos casos mais rumorosos de crise política pós-cassação. Quebra-quebra e até tentativa de incêndio da casa do antigo prefeito foram registrados este ano.
O prefeito eleito em 2012, Adail Pinheiro (PRP), foi preso em fevereiro do ano passado acusado de comandar uma rede de pedofilia. A partir daí, deu-se início a uma série de sucessões. O vice chegou a governar, mas logo renunciou. O poder municipal passou pelas mãos de dois presidentes do Legislativo até que, em abril deste ano, foi entregue ao segundo colocado em 2012, Raimundo Magalhães (PRB).
Pinheiro recebeu a cassação em março e foi condenado a 11 anos de prisão por pedofilia. Ele continua preso, mas se diz inocente e está recorrendo da sentença.
O tira e bota de prefeitos caiu como uma bomba na gestão. Este ano, salários atrasaram, escolas rurais fecharam, outras ficaram sem merenda e houve uma revolta popular. A confusão levou à cidade o procurador-geral de Justiça do estado, Fabio Monteiro, para tentar buscar uma solução.
Um acordo foi fechado na ocasião com o então prefeito, Iranilson Medeiros, para colocar os serviços e salários em dia. No entanto, ele durou no cargo apenas mais algumas horas depois de assinar o compromisso. Na estrada de volta para Manaus, a equipe da Promotoria foi informada que o prefeito com o qual tinha acabado de conversar havia caído para Magalhães assumir. O acordo teve que ser renovado junto ao novo chefe do Executivo.
Coari tem 82 mil habitantes e recebe cerca de R$ 90 milhões por ano de royalties. O GLOBO tentou falar com algum representante da prefeitura, mas em nenhum dos telefones divulgados no site da prefeitura conseguiu contato.
G1