Eu gostaria de morar no país que Jair Bolsonaro descreveu em seu discurso na Assembleia Geral da ONU e que, segundo afirmou, se chama Brasil.
Imagine, um país com 70% da sua mata original preservada, exceto por alguns metros em que foi preciso cortar umas árvores para os bois poderem passar. Um país sem queimadas, exceto a que os índios praticam, ainda mais agora que eles querem sair da idade da pedra cultivando soja. E um país que, se quiser destruir a Amazônia, é por nossa conta, digo, dele, e ninguém tem nada com isso.
Um país em que a vida é o maior dos direitos humanos, donde, para preservá-la, o controle de velocidade nas estradas é abolido, as armas são liberadas e quem passar na frente de uma bala é por sua conta e risco. Um país em que nenhum corrupto ficará impune, exceto nos casos de parentesco em primeiro grau, vínculo empregatício com estabilidade e cargo importante no governo. Governo este, aliás, estrelado por um antigo símbolo da luta contra a corrupção e ainda tão poderoso que, hoje, se sujeita aos papéis mais humilhantes sem prejuízo de sua aceitação popular.
E, que bom, um país sem ideologia, sem aparelhamento e sem doutrinação, exceto a praticada pelos atuais detentores do poder. Um país em constante vigília contra seus inimigos, como o cacique Raoni e a atriz Fernanda Montenegro –e, se você acha que eles são inofensivos por já estarem com 89 anos, é porque não leu o teórico comunista Gramsci, que sugeriu o uso de idosos na propaganda socialista. Um país governado sob a inspiração de Deus, embora este não tenha sido consultado.
Pois este é o país que Bolsonaro descreveu na ONU –e que seus habitantes não conseguem reconhecer.
O próprio Bolsonaro não parecia à vontade diante do teleprompter. Os olhos muito apertados podiam indicar miopia ou a suspeita de que nem ele acreditava em suas mentiras.
Fonte: Ruy Castro – Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
Roberto Flávio