Em resumo:DO ABUSO DO PODER POLÍTICO E DA CONDUTA VEDADA.
A ação de investigação judicial eleitoral tem por objetivo salvaguardar a legitimidade e a
normalidade das eleições.
No mesmo passo, o abuso do poder político deve ser compreendido como a concretização de ações ou omissão com o intuito de influenciar ou determinar opções, que se traduzem na modificação da vontade genuína do eleitor, utilizando-se da máquina administrativa estatal ou de recursos estatais em proveito de candidatura, ainda que aparentemente haja benefício à população.
Foi imputada aos representados a conduta relativa ao abuso de poder político, com base no fato de que o demandado Hudson Pereira de Brito, prefeito do município de Santana do Seridó/RN e candidato à reeleição, valeu-se de seu cargo e do erário municipal para desenvolver programa de distribuição de próteses dentárias no decorrer do ano eleitoral.
O art. 73, inciso IV, da Lei nº 9.504/97 proíbe o uso promocional de ações do Poder Público pelos agentes públicos, contudo, sem exigir-lhes a condição de candidatos. Senão, vejamos:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;
Por esse dispositivo é vedado ao agente público “fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público”.
Sua interpretação deve ser feita em conjunto com o §10 do artigo 73, o qual dispõe que:
§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de
estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução
orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o
acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Grifei)
As consequências decorrentes da conduta ilegal estão prescritas no § 5° do Art. 73. O dispositivo determina que nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4o
, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma.
Deve ser destacado que a infração do artigo 73, § 10 da Lei das Eleições se dá por
enquadramento objetivo.
Nesse sentido:
Na espécie, conforme se observa da análise dos autos, restou devidamente demonstrada a
execução de programa de fornecimento de próteses dentárias que não estava em execução
orçamentária no exercício anterior, o que, sem dúvida, suscitou em muitos a expectativa da obtenção do benefício.
Por fim, aplicada a cassação do registro de candidatura à espécie, resta necessária a declaração de inelegibilidade do investigado Hudson Pereira de Brito, para as eleições que se realizarem nos 08 (oito) anos subsequentes ao pleito de 2020, com arrimo no art. 1°, inciso I, alínea “j” c/c
art. 22, inc. XIV, ambos da LC n.° 64/90, por ter sido ele o responsável direito e imediato pelas condutas ilícitas, caracterizadas como abuso de poder político.
Por derradeiro, passo à análise da litigância de má-fé, na esteira do que foi pleiteado pelo
investigante.
Considera-se litigante de má-fé aquele que: a) deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; b) alterar a verdade dos fatos; c) usar do processo para conseguir objetivo ilegal; d) opuser resistência injustificada ao andamento do processo; e) proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; f) provocar incidente manifestamente infundado; ou g) interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. É a disposição contida no art. 80, do Código Adjetivo Civil.
Na presente situação, a parte demandada não praticou nenhuma das condutas traçadas no art. 80, do CPC. Da mesma forma, inexiste demonstração de prejuízo processual aos demandantes, que exerceram as faculdades processuais ofertadas. Na verdade, os investigados apenas conferiram ao fato o enquadramento jurídico que lhe pareceu mais adequado, e isso não configura qualquer ilícito processual, muito pelo contrário, é atuação inerente ao exercício do direito de defesa, o que afasta, pois, a alegação de litigância de má-fé.
Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido contido na inicial, oportunidade em que RESOLVO o MÉRITO da causa, a teor do art. 487, inc. I, do CPC, para o fim específico de RECONHECER a prática de conduta vedada, na forma do art. 73, inciso IV, c/c §§ 5° e 10° da Lei n 9.504/97 e,
por conseguinte:
1- Cassar o registro de candidatura dos investigados Hudson Pereira de Brito e Tatiana
Fátima Ferreira de Araújo;
2- Declarar a inelegibilidade do investigado Hudson Pereira de Brito, para as eleições a se
realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição de 2020, com arrimo no art. 1°, inciso I, alínea “j” c/c art. 22, inc. XIV, ambos da LC n.° 64/90.
Indefiro, por fim, o pedido de aplicação de multa por litigância de má-fé.
fonte: DJe/TRE/RN para ciência das partes e de seus advogados.
Ciência ao Ministério Público Eleitoral.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com as cautelas legais.
Parelhas/RN, 04 de novembro de 2020.
Silmar Lima Carvalho
Juiz da 24ª Zona Eleitoral
“Investigação judicial. Abuso de poder. Uso indevido dos meios de comunicação social. Condutas vedadas. […] 4. Mesmo que a distribuição de bens não
tenha caráter eleitoreiro, incide o § 10 do art. 73 da Lei das Eleições, visto que ficou provada a distribuição gratuita de bens sem que se pudesse enquadrar
tal entrega de benesses na exceção prevista no dispositivo legal. […].” (Ac. de 29.4.2010 no AgR-REspe nº 35.590, rel. Min. Arnaldo Versiani.).
Fonte: Parelhas. Net