Data: 7 de março de 2017. Local: Palácio do Jaburu.
Quando o amigo Joesley Batista, expressando-se num idioma muito parecido com o português, pediu a Michel Temer que indicasse a melhor maneira “pra mim falar contigo”, o presidente não teve dúvida: “É o Rodrigo.” O dono do JBS, maior frigorífico do mundo, gigante do caixa dois e das propinas, soou como se aprovasse o preposto. “É o Rodrigo? Ah, então ótimo.” E Temer: “É da minha mais estrita confiança.”
Corta para a Pizzaria Camelo, no elegante bairro paulistano dos Jardins. Noite do dia 28 de abril de 2017. O deputado federal Rodrigo da Rocha Loures (PMDB-PR) —o “Rodrigo” que Temer credenciara como seu intermediário— foi seguido e fotografado pela Polícia Federal recebendo de Ricardo Saud, diretor do Grupo JBS, o conglomerado de Joesley, uma mala contendo R$ 500 mil. Era propina, informou a Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal.
Sem saber que Joesley escondia um gravador no bolso do paletó, Temer caiu numa cilada. Recepcionou no Jaburu não o amigo, mas um delator. Manteve com ele uma
conversa vadia de 33 minutos. Nela, estimulou o interlocutor a conservar as boas relações monetárias que mantém com o presidiário Eduardo Cunha. Ouviu relatos sobre a compra das consciências de um par de juízes e um procurador da República. Como se fosse pouco, Temer autorizou o visitante a utilizar o seu nome para pressionar o ministro Henrique Meirelles (Fazenda) a se “alinhar” aos interesses de sua empresa.
A conversa rendeu a Joesley e seu irmão Wesley um acordo de delação cujo prêmio incluiu um exílio dourado em Nova York. Quanto a Temer, o áudio resultou num rebaixamento político que o transportou da posição de presidente da República para a condição de protagonista de um inquérito criminal no Supremo. Ao escutar o áudio, liberado nesta quinta-feira pelo ministro Edson Fachin, da Suprema Corte, Temer celebrou: “A montanha pariu um rato.” Ficou demonstrado que, em Brasília, o pior cego é aquele que não quer ouvir.
Com interesses em guichês tão estratégicos quanto Receita Federal, Banco Central e BNDES, Joesley queixou-se a Temer de Henrique Meirelles. Embora estivesse na folha salarial de sua empresa antes de virar ministro da Fazenda, Meirelles vem refugando as demandas do ex-patrão. E o dono do JBS pediu a Temer um “alinhamento” de posições que lhe permitisse ser mais direto com o ministro: “Porra, Meirelles”. E Temer: “Pode fazer isso.”
Habituada a ouvir as mesóclises que adornam o linguajar rococó do constitucionalista Temer, a plateia ficou autorizada a indagar: Quando se deu a mutação do presidente que dizia estar interessado em passar à história como reformista para o administrador do “pode fazer isso”? Olhando-se ao redor, enxerga-se a presença de oito ministros que Temer insiste em manter no Planalto e na Esplanada como se a Lava Jato não tivesse descoberto nada sobre eles. Fica entendido que pode fazer também aquilo.
O diálogo com Joesley surtiu sobre Temer o efeito de um striptease moral. Em meio à maior investigação contra a corrupção da história, que torna impotentes os ex-poderosos da República, Temer permitiu-se manter, em pleno palácio residencial, uma conversa antirrepublicana. O regime atual no Brasil, agora ficou claro, não é mais o presidencialismo, mas uma versão tapuia da monarquia. Reina a esculhambação.
O monarca está nu. Ao dizer que não renuncia, tenta convencer o reino de que utiliza ternos feitos de um tecido muito resistente, mas completamente invisível a qualquer brasileiro pessimista -do tipo que, obrigado a conviver com a sobra do mês no fim do salário, não pode fazer nem isso nem aquilo.