No dia em que a abolição da escravidão no Brasil completa 132 anos, o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, intensificou a estratégia de tentar desqualificar a figura que dá nome à instituição, criada justamente para promover e preservar valores históricos e culturais da influência negra no Brasil. Neste 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea em 1888, Camargo publicou artigos no site oficial da fundação que mostrariam "a verdade" sobre Zumbi dos Palmares, cuja morte motiva a data da Consciência Negra.
Zumbi é reconhecido como um dos líderes do Quilombo dos Palmares, o principal núcleo de resistência negra à escravidão no País. Os detalhes de sua vida, no entanto, são pouco conhecidos e objeto de divergência entre historiadores.
Entre os textos publicados nesta quarta-feira, 13, pela Fundação Palmares, está "Zumbi e a Consciência Negra - Existem de verdade?", do professor Luiz Gustavo dos Santos Chrispino. No artigo, o autor fala sobre um processo que chama de "endeusamento de Zumbi". Chrispino afirma que a corrente do Movimento Negro tinha influência do processo Marxista Cultural de separação social e precisava de "um ícone", que viria a ser Zumbi dos Palmares. "Começava aí a Luta Esquerdista usando o povo negro como massa de manobra", diz o texto.
Ao longo do dia, Sérgio Camargo também usou as suas redes sociais para atacar Zumbi, a quem afirma não ser um "herói autêntico", mas, sim, "uma construção ideológica de esquerda". Para Camargo, a verdadeira heroína seria Princesa Isabel, responsável pela assinatura da Lei Áurea em 1888, após o Brasil ser pressionado pela Inglaterra desde a primeira metade do século 19 a abolir o comércio negreiro. O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão.
"Zumbi é herói imposto pela ideologia que a grande maioria dos brasileiros repudia. Negros, questionem, critiquem e não o aceitem passivamente!", escreveu Camargo nas redes sociais. "Herói da esquerda racialista; não do povo brasileiro. Repudiamos Zumbi!", disse ele, em outra publicação.
No final do ano passado, o atual presidente da Fundação Palmares teve a nomeação suspensa por já ter defendido a extinção do movimento negro e dizer, entre outras coisas, que o Brasil tem um "racismo nutella". Camargo também já afirmou que a escravidão foi "benéfica para os descendentes" e atacou personalidades como a vereadora do Rio Marielle Franco, assassinada em 2018, e a atriz Taís Araújo.
A posição de Camargo, porém, não é totalmente isolada no governo. Assim como ele afirma que sua gestão busca "reconhecer a importância da Princesa e resgatá-la do ostracismo histórico a que foi relegada", a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), segue discurso semelhante.
Em resposta a um texto de Camargo contra Zumbi, a Secom compartilhou publicação que enaltece a Princesa Isabel como símbolo do fim da escravidão. "Em 1888, a princesa Isabel promulgava a Lei Áurea, extinguindo a escravidão no Brasil. Seus anos de intenso empenho em favor da liberdade foram coroados com uma lei cujo nome deriva da expressão latina para 'ouro', representando o valor insuperável da dignidade da vida humana", diz um trecho do texto, acompanhado de uma imagem da Princesa Isabel.
Em nota, a Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH) afirmou que as publicações no site da Fundação Palmares, incluídas nesta quarta-feira representam "mais um dos tristes episódios de destruição da História, enquanto campo de saber crítico, embasado e ético".
"Em face à produção de uma história simplificadora, incompleta e muitas vezes apenas e tão somente inventada, a Associação Nacional de História convida a todos e a todas que se manifestem em relação a essas mensagens vinculadas pela fundação Palmares", disse a instituição.
Para a ANPUH, autores que se pautam na "mitologia racialista-marxista" desconhecem a "inovadora produção historiográfica sobre Zumbi e a fundamental importância da resistência negra no desmantelamento da abolição do cativeiro".
Blog do João Marcolino