Precedida por um protesto em apoio a Lula e Dilma Rousseff, realizado por brasileiros moradores de Berlim, a exibição de “O processo”, de Maria Augusta Ramos, no Festival de Berlim, foi recebida com reações apaixonadas e aplausos ao fim do filme, nesta quarta-feira.
A sessão estava lotada, com boa parte da plateia formada por brasileiros, inclusive cineastas que também estão com filmes selecionados no festival, como Karim Aïnouz e Luiz Bolognesi. Além dos aplausos, houve gritos de “Fora Temer” e “Fica Dilma”.
No documentário, a cineasta acompanha bastidores da movimentação política que levou ao impeachment da ex-presidente, entre abril e agosto de 2016.
Ao longo de pouco mais de duas horas de projeção, a diretora de “Justiça”, “Juízo” e “Morro dos prazeres”, percorre os corredores e gabinetes da Câmara e do Senado federais colada nos protagonistas do histórico processo – com mais desenvoltura pelos gabinetes dos deputados e senadores do PT, responsáveis pela defesa da ex-presidente.
– O lado da acusação me negou acesso a eles – contou Maria Augusta, aplaudida de pé após a projeção, coroada com gritos de “Fora Temer!” e “Volta, Dilma!”. – Foquei mais no ritual processo do afastamento em si, do que na Dilma. Já fiz uma trilogia sobre o sistema judicial brasileiro. Então sempre estive interessada no funcionamento do sistema e no teatro da Justiça, e nesse caso do iimpeachment, no teatro da justiça na política e, através desse teatro, tentar refletir um pouco sobre o que acontece na nossa sociedade.
O documentário de Maria Augusta mostra como a equipe que defendeu Dilma, acusada de maquiar as contas públicas, preparou sua estratégia e lutou até o final, apesar de estar cada vez mais consciente de que a destituição, apoiada pela oposição, seria inevitável.
Sem voz em “off” nem entrevistas, o documentário de mais de duas horas de duração mostra, além disso, as conversas de corredor, os encontros de dirigentes políticos, assim como os momentos de tensão nos bastidores e nas ruas, sintoma do clima de polarização que tomou conta dos brasileiros.
Artífices da defesa ante a comissão especial que conduziu o processo de impeachment, o advogado José Eduardo Cardozo e a senadora Gleisi Hoffmann, que é a atual presidente do PT, se transformam, assim, em protagonistas de um documentário em que Dilma é onipresente, mesmo que seja apenas mostrada falando à imprensa ou fazendo pronunciamentos.
“Faço filmes para entender a realidade”, afirmou Maria Augusta à AFP. “O que estava acontecendo no Brasil me preocupava muito.”
Maria Augusta explica que a defesa de Dilma concedeu um amplo acesso ao processo. “Conheciam meu trabalho e confiavam em mim. Houve poucas exceções por parte de alguns senadores que optaram por deixar uma reunião quando eu entrava com a câmara”, explica a cineasta, enfatizando que a oposição preferia não se deixar filmar.
Ela assegura, no entanto, que a todo momento pôde trabalhar com independência total.
No ano passado, também em Berlim, vários cineastas brasileiros alertaram para a suposta ameaça que representava para a cultura o governo de Michel Temer, que, como vice de Dilma, assumiu a presidência.
Cerca de 300 personalidades do audiovisual brasileiro pediram, em uma declaração, o apoio dos representantes do cinema internacional, da mesma forma que, meses antes, a equipe do filme “Aquarius”, dirigido por Kleber Mendonça Filho, havia denunciado no tapete vermelho do Festival de Cannes o que consideravam um golpe de Estado.
AgoraRN