A campanha pelo voto nulo sempre esteve presente em nossa parca democracia, mas, ante a crise generalizada instalada no país, de múltiplos vieses, mas de indubitável culminância política, vem se intensificando de modo preocupante, ao defender a tese de que essa ação se traduz numa forma de protesto.
Isto porque tal conduta está longe de ser a solução para o quer que seja. Muito ao contrário: somente agrava uma situação que vem minando, de forma gradativa e acintosa, a nossa esperança por um futuro melhor e, por via reflexa, a nossa já tão abalada autoestima enquanto povo.
Afinal, como cobrar dos nossos governantes e representantes se não nos predispomos ao envolvimento político? Com que direito a parcela da sociedade que opta por se omitir reclama a realidade do seu município, estado ou país? Qual a legitimidade que ela dispõe para sair às ruas e bradar por mudanças? Tais atitudes são tão incoerentes quanto enigmáticas.
Ademais disso, é de dizer que esse tipo de votação é desprezada, em nada afetando o resultado do pleito. Assim, por ocasião da apuração do quociente eleitoral, os votos nulos e em branco são excluídos, sendo ali considerados tão somente os votos válidos.
Cumpre destacar que, na Grécia antiga de Platão e Aristóteles, berço da democracia, o exercício da política era tão valorizado que se associava à ética. Segundo a sua concepção, as pólis gregas deveriam ter governantes sábios, justos e virtuosos, de sorte que a racionalidade do homem era considerada o elemento garantidor dessa condição e somente haveria esse caminho para que fosse alcançada a justiça.
Aliás - faz-se oportuno ressaltar - foi ali que nasceram os termos ‘idiota’, assim compreendido como aquele que se importava apenas com a própria vida, e ‘político’, para denominar o que zelava pela vida em comunidade, a partir da preservação de suas tradições, costumes e valores e do compromisso pelo bem-comum. Evidencia-se, pois, que, ao longo dos séculos, o homem e sua ambição desenfreada cuidaram de desvirtuar a essência dos conceitos democráticos, invertendo seus propósitos e corrompendo seus valores.
Voltando à disseminação da tese de que o voto nulo pode determinar novo sufrágio, há que se realçar que esse mito, muito provavelmente, nasceu da errônea interpretação do que consta do art. 224, do Código Eleitoral brasileiro, segundo o qual será determinada nova eleição quando a nulidade importar mais da metade dos votos computados.
A nulidade, nesse caso, refere-se à efetiva comprovação de fraude que alcance mais de 50% dos votos válidos (excluindo-se os nulos e em branco, portanto), devidamente reconhecida pela Justiça Eleitoral, quando nova eleição deverá ser realizada.
Nesse aspecto, importa salientar, inclusive, que a última minirreforma eleitoral acresceu o § 3º ao referido artigo de lei, para determinar a realização de novo sufrágio, independentemente do número de votos anulados pela referida Justiça especializada, após decisão transitada em julgado que versar sobre indeferimento do registro, cassação de diploma ou perda de mandato de candidato eleito em pleito majoritário, regra que promete provocar muitas discussões na seara processual eleitoral.
Por conseguinte, vale a pena refletirmos sobre o nosso papel enquanto cidadãos, inclusive porque as maiores democracias do planeta alcançaram esse patamar em virtude do compromisso do povo para com a sua Pátria e o seu futuro. Já passou da hora de enxergarmos a nossa importância junto ao processo eleitoral, estrela maior do regime democrático, por assegurar o nosso direito de escolha.
Se há liberdade de escolha, por que escolher o descompromisso, ante a possibilidade de construção de uma nova realidade? Por que privilegiar o falido sistema de cooptação de votos, que se arrima na ignorância e no alheamento? É de se pensar. E também de repensar. Na busca pela verdade e por melhores dias, haveremos de prevalecer.