Lula tinha uma mania na segunda metade dos anos
70. Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, o mais
importante e politizado daquela época, detestava usar relógio de pulso, mas,
quando ficava nervoso, perguntava as horas insistentemente antes de qualquer
evento importante.
A vítima naquele 16 de março de 1980 era Djalma
Bom, dirigente sindical e futuro deputado federal pelo PT e vice-prefeito de São
Bernardo de 1988 a 1992. O nervosismo dominava a sede do sindicato, na ponta
extrema do centro da cidade. A assembleia mais importante da greve geral do ABC
do ano aconteceria naquela tarde, no estádio 1º de Maio, na Vila Euclides,
colada no centro e no pé de morro que dava acesso à via Anchieta.
“Não gosto de assembleia à tarde. O pessoal
chega mais agressivo, mais nervoso, e acaba rosnando mais”, disse Lula a Djalma
Bom, antes de pegar o carro e percorrer os entupidos 2,8 quilômetros entre o
sindicato e o estádio. Um trajeto que demorou 20 minutos para ser percorrido,
para contornar as barreiras policiais e os curiosos de plantão.
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Luiz Inácio Lula da Silva
discursa para grevistas na Vila Euclides |
Não houve incidentes. O carro parou bem antes
do local e o resto do trajeto foi feito a pé. Lula, Djalma Bom, Jair Meneguelli
e mais uma série de importantes dirigentes sindicais desceram ressabiados as
ruelas da Vila Euclides, até conseguir chegar à portaria principal do estádio,
próxima ao local onde hoje funciona o Poupatempo.
Lula parou na esquina, tomou um copo de água
que não sabe de onde veio, respirou fundo e desceu uma pequena ladeira decidido
a furar o mar de metalúrgicos para subir ao palanque e fazer aquele que é
considerado por muitos o seu melhor discurso, aquele que definiu a sua estatura
política pelos 30 anos que viriam.
Retorno ao
palco
Neste domingo, 30 de janeiro de 2011, Lula,
agora ex-presidente da República, retorna àquele que foi seu palco principal
durante pelos menos dez anos de sua carreira político-sindical. Estará presente
na inauguração das obras de ampliação do estádio às 18h e, uma hora e meia
depois, deve dar o pontapé inicial da partida entre São Bernardo e Corinthians –
este o seu time do coração – pelo Campeonato Paulista. É a primeira vez que um
time da cidade chega à divisão principal de futebol profissional do Estado, pelo
menos na idade moderna do esporte.
Naquele 16 de março de 1980, Lula discursou
para pelo menos 100 mil pessoas.Era a época final da ditadura militar, mas ainda
feroz, que adorava atiçar cachorros contra metalúrgicos nos protestos e “descer
o ‘sarrafo’ (cassetete de madeira revestido de borracha)”.
O discurso definiu a campanha salarial daquela
época e alçou Lula líder político máximo da oposição que ainda nem existia –
surgiria meses depois na mesa de um restaurante famoso de São Bernardo, sob o
nome de Partido dos Trabalhadores, o PT.
Segundo Djalma Bom, foram nove meses de
preparação para a greve de março de 1980 – foram 215 reuniões e 300 assembleias
preparatórias nas portas das fábricas nas trocas de turnos.
O metalúrgico Edilson Ferreira da Silva, o Zé
do Mato, registrou suas memórias da greve no projeto “ABC de luta! Memória dos
metalúrgicos do ABC”. Ele relatou que Lula falava em cima de uma mesa para os
trabalhadores voltarem no outro dia. “O Lula falava: ‘Não aceitem provocação,
saia daqui direto pra casa, não fiquem no bar, não fiquem no ponto de ônibus,
não acreditem na imprensa só acreditem na informação do sindicato, cuidado com a
matéria paga da imprensa, com a mentira do governo, com a propaganda do patrão,
ele orientava pra não entrar na provocação da polícia, pra não brigar, porque o
sistema estava todo armado contra nós’. Então, durante todo o tempo ele fazia
esses avisos. Era emocionante pra todos que participavam desse movimento”,
contou.
Prisão
Lula foi preso no dia 17 de abril de 1980.
Foram 31 dias encarcerado. Perdeu o histórico 1º de Maio daquele ano, Dia do
Trabalho. A Polícia Militar fez barreiras na via Anchieta e no bairro do
Jabaquara, zona sul da capital, para impedir a presença de público no estádio de
Vila Euclides.
Não adiantou. O estádio ficou pequeno naquele
dia nublado, mas estranhamente quente para época. “Todo mundo suava, de calor e
de nervoso. Muita gente apanhou da polícia nas ruas Jurubatuba e Marechal
Deodoro, no centro de São Bernardo. Quem não passou na Anchieta contornou por
Diadema e Santo André. Tinha gente que não acabava mais”, disse Jair Meneguelli,
ex-presidente do sindicato e da CUT nacional.
Mais do que um tributo, teve gente que disse
que o 1º de Maio teve ares de canonização por conta da prisão de Lula e de
outros dirigentes sindicais. Naquele dia, a oposição colocou ao menos 120 mil
pessoas em Vila Euclides e alçava Lula, preso em São Paulo, ao patamar de
entidade política e figura máxima da oposição à ditadura.