Por – Matheus Pichonelli: Se o golpe iniciado em 2016 no Brasil for uma série documental, ele ganhou uma nova temporada nesta terça-feira (22).No meio da tarde, enquanto o mundo acompanhava a virada da França de Mbappe e Giroud para cima da Austrália na Copa do Mundo no Qatar, Jair Bolsonaro (PL) saía das sombras por meio de seu preposto e porta-voz Valdemar Costa Neto, o chefe de sua legenda, o Partido Liberal.
Um tuíte publicado no perfil oficial da sigla no Twitter anunciava, sem provas, que o vencedor das eleições em 30 de outubro foi seu filiado, Jair Bolsonaro. A conclusão foi feita com base em uma auditoria contratada pela própria legenda.
O timing parecia, e era, estranho. Talvez fosse a intenção dos dirigentes do partido que as atenções estivessem pulverizadas durante a partida. Assim poucos parariam o que estavam fazendo para acompanhar a vergonha. Ou, se for este o caso, a tentativa golpista passaria desapercebida.
Pelas contas dos novos protagonistas da série, o atual presidente teria sido reeleito com 51% dos votos – aparentemente o índice não era uma menção aos 51 imóveis comprados com dinheiro vivo por integrantes de sua família.
A carta do golpe estava na mesa e ela foi alardeada pelo próprio Valdemar Costa Neto em uma entrevista coletiva na qual pedia que a eleição fosse melada. Isso porque parte das urnas usadas durante o pleito teriam apresentado problemas em seu funcionamento.
O detalhe, pego no contrapé pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, é que as mesmas urnas foram utilizadas no primeiro turno. Moraes não tardou para se manifestar em nota, pedindo que esse “detalhe” esquecido por Valdemar fosse incluído no pedido de anulação.
De boba a turma não tem nada.
O PL de Valdemar e Bolsonaro perdeu as eleições presidenciais no segundo turno, mas no primeiro elegeram, com as mesmas urnas que agora apontam mal funcionamento, as maiores bancadas na Câmara e no Senado. Qual a lógica, então?
A estratégia de Valdemar não coloca em xeque só a eleição presidencial, mas a vitória também de aliados do atual presidente, como Tarcísio de Freitas, eleito governador em São Paulo pelo Republicanos. Os estrategistas do PL não explicaram se as urnas apresentaram “problemas” durante o dia todo ou apenas quando os eleitores apontavam seu candidato favorito a presidente.
É muito improvável que o pedido avance. As eleições foram referendadas por diversos partidos e observadores internacionais.
Mesmo as Forças Armadas fizeram um alarde para dizer, no fim, que não houve indício de fraude no pleito.
Mas seria estranho que Bolsonaro, um incendiário desde seus tempos de mau militar, aceitasse a derrota na boa e se contentasse em voltar para casa recolher os cacos e tentar nova sorte em 2026. Ele não fez outra coisa em seu mandato se não colocar sob suspeita a legitimidade das urnas eletrônicas. Justamente para poder tentar seu golpe caso fosse derrotado, como foi.
Só que Bolsonaro não passou seu mandato maldizendo apenas o sistema eletrônico de votação. Ele fez o mesmo contra os responsáveis pela apuração. O alvo principal era Alexandre de Moraes.
O novo ataque ao sistema democrático brasileiro seria cômico se tivesse alguma graça. Não tem, e precisa ser denunciado.
O presidente que plantou o golpe usa agora um notório condenado por corrupção para alardear sua tese golpista em praça pública. A “prova”, no caso, foi apresentada pela empresa contratada pelo partido interessado em melar a eleição. A auditoria chegou com o selo de que o cliente sempre tem razão, mesmo quando não tem.
Alguém ainda acredita?
As turbas posicionadas em frente aos quartéis e nas estradas do país que foram alimentadas por desinformação esse tempo todo acreditam.
Se Moraes bloquear as intenções golpistas, como deve bloquear, Bolsonaro e companhia já têm o que dizer para os fiéis seguidores: não era só a urna que estava viciada, os responsáveis por fazer a vigilância também.
A farsa é o suficiente para manter parte da população mobilizada, como aconteceu nos EUA após a derrota de Donald Trump.
Bolsonaro até aqui segue todos os passos para se tornar um pastiche de seu ídolo norte-americano.
Lá a “brincadeira” resultou na invasão do Capitólio. Por aqui a rebelião forjada não tem hora para acabar.
Roberto Flávio