Por G1
Pessoas que perderam tudo, que tiveram que adiar planos, que foram demitidas, que sofreram ameaças de morte. A história da
Telexfree esconde dramas que vão muito além do crime de pirâmide financeira a qual a empresa é acusada. São casos de ódio, de violência, de amizades rompidas, de laços familiares afetados pelas dívidas e de igrejas rachadas por causa do negócio, que pode ser o maior caso de fraude envolvendo marketing multinível do mundo.
Há exatos três anos, dois milhões de brasileiros que depositaram esperança em um alto retorno financeiro ficaram sem chão quando a empresa foi impedida de continuar a operar e teve os bens bloqueados pela Justiça do
Acre. Desde então, os afiliados da rede estão à espera de uma definição sobre o dinheiro que aplicaram no negócio. Muitos não acreditam mais que vão recuperar suas economias.
A empresária Maria (nome fictício) está entre os divulgadores, como eram chamados os associados da empresa, que perderam a fé. Ela vendeu uma casa em Vila Velha para um dos líderes da Telexfree. Recebeu parte em dinheiro. O restante, cerca de R$ 100 mil, ganhou em contas da empresa, que duas semanas depois da transação teve as atividades suspensas pela Justiça.
Segundo o promotor de Justiça do Acre, Marco Aurélio Ribeiro, responsável pela ação civil pública contra a Telexfree, na lista de prejudicados estão pessoas que investiram até R$ 500 mil, que venderam casas, carros e até pegaram empréstimos com a expectativa de ver o dinheiro multiplicar.
O aposentado Dalton dos Santos, 62, ganha pouco mais de um salário mínimo do
INSS. Foi convidado a participar da Telexfree por amigos. Juntou dinheiro e aplicou R$ 3 mil. “Passou uma semana e tudo foi barrado. A empresa não havia quebrado, podia nos pagar. Mas a Justiça nos prejudicou. Era só mandar a Telexfree devolver o dinheiro ainda naquela época”, reclama o idoso, que viveu um conflito com a ex-mulher, que o culpou pelo mau negócio.
Um analista de sistema, de 25 anos, que preferiu não se identificar por vergonha, diz aguardar os famosos plantões, vídeos com Carlos Costa, um dos donos da Telexfree, que são publicados no Facebook, para saber se vai tentar resgatar o que aplicou no grupo. “A gente aprende com os erros. Todo mundo entrou com ganância. A empresa era boa, mas a vontade de todos de lucrar levou a isso. Foi uma lição. Mas também acho que a Justiça foi culpada pelos nossos prejuízos”, afirma o rapaz, que colocou na época na faixa de R$ 6 mil.
Outro divulgador que também pediu anonimato disse ter recuperado R$ 50 mil dos R$ 70 mil investidos ao colocar o líder da empresa contra a parede. “Eu ainda continuei a cobrá-lo os R$ 20 mil que perdi. Quando entrei, paguei direto a ele, que me deu bônus. Não tenho comprovante das negociações. Foi tudo no boca a boca”, revela o empresário, morador de
Vitória.
Definição sobre divulgadores pode levar mais de 10 anos
Embora em outubro do ano passado, a Justiça do Acre tenha obrigado a Telexfree a devolver o dinheiro aos divulgadores, a sentença que ainda condenou a empresa por pirâmide financeira encontra vários empecilhos para ser cumprida. Além dos recursos que tramitam em instâncias superiores, a Telexfree e os donos são alvo de outras medidas de bloqueio de bens, decisões tomadas pela Justiça Federal no Espírito Santo, em processos cautelares criminais e na área tributária.
Divulgadores e União disputam R$ 700 milhões em dinheiro, depositados em contas judiciais, além de recursos milionários que foram aplicados em renda fixa e em fundos de pensão. Estão sequestrados ainda bens, como carros e imóveis. A Procuradoria da Fazenda, em Vitória, já conseguiu penhorar parte das propriedades e aguarda a tramitação de recursos na
Receita Federal para cobrar o restante. Estima-se dívida de R$ 3,5 bilhões em PIS/Cofins,
FGTS, INSS, Imposto de Renda e tributos sobre o lucro.
O caso pode demorar dez anos ou até mais para se desenrolar como aconteceu com a Avestruz Master, empresa semelhante à Telexfree, que depois de ter sido fechada em 2004, até hoje não pagou aos associados.
O promotor de Justiça Marco Aurélio Ribeiro diz que o processo da Telexfree é complexo, mas afirma que os divulgadores podem buscar a Justiça em seus municípios para liquidar a sentença e esperar pelo resultado. “Ainda que as pessoas não entendam, o bloqueio foi uma forma de protegê-las. Em outras pirâmides recentes, os donos sumiram com o dinheiro e ainda fugiram para outros países”.